Venho de uma família de artistas. Nossa, nem sei quantas vezes já repeti essa frase - porque somos 7 irmãs e irmãos da mesma mãe, e só eu não tiro meu sustento das artes. Logo no início do período de isolamento social, liguei logo para dois dos meus irmãos perguntando "e aí, já planejou alguma coisa?".
O setor de artes e cultura foi o primeiro a ser arrebatado pela crise econômica que se desdobrou da crise sanitária. Basicamente, eles promovem aglomeração de pessoas. E sem uma estrutura mínima para o amparo de trabalhadores das artes e cultura, o jeito foi se reinventar.
Ouvi da amiga Ana Luíza Bellacosta, atriz e palhaça de Brasília, que o pessoal do teatro teve que evoluir 20 anos em 2 meses. Ela se referia às adaptações de peças teatrais, apresentações de circo e dança para os espaços virtuais. Meu irmão Abaetê Queiroz, ator, professor e diretor de teatro, se lançou à pesquisa de plataformas, plug-ins, add-ons, gadgets e metodologias para que a imagem, a voz, o som dos atores e atrizes pudessem chegar ao público com a melhor qualidade possível, sem delay. Tá dando certo! Nem parece que não estamos no teatro!
Outro irmão, o multitalentoso (e pai do Raul) Cae Maia, descobriu uma nova profissão: operador de spotlight em festas virtuais pelo Zoom. Ele é quem fica olhando as telas de todo mundo e escolhendo quem vai para o destaque da festa - o que dá dinamismo e a sensação de realmente estar interagindo com outras pessoas numa festa. Desde abril, ele já tem feito milagres e misérias com filtros, edições, máscaras e tais. E eu não perco uma edição da festa, desde que começaram.
Como profissional de comunicação e campanhas que se dedica à mobilização de pessoas, não pude deixar de notar algumas dificuldades na transição da produção presencial para o digital. Naturalmente, quem está produzindo uma peça de teatro não está pensando em como as pessoas se comportam na web. Mas eu já venho pensando sobre isso há tempos, e agora vejo uma oportunidade de compartilhar algumas dicas preciosas para o pessoal do teatro online!
Porque acredito muito nos sonhos, e se organizar direitinho, todo mundo realiza.
1 — O WhatsApp pode ser o maior aliado, ou o vilão
Nunca imaginamos que o WhatsApp teria tanto espaço nos nossos dias de confinamento. Mas tem, e é rei. Todo tipo de informação chega pela telinha, e conseguimos manter contato com as pessoas amadas. Para disputar a atenção de quem você quer atrair, seu conteúdo precisa ser pragmático e objetivo, além de facilmente legível. Prefira textos curtos contendo toda a informação do seu evento, e prefira cards ou fotos ao envio de vídeos e áudios. Observe se sua mensagem vai gerar aquele "ler mais...", e se for o caso, corte, corte, corte.
Se tiver e puder, envie também uma foto ou um card bem chamativo e com o mínimo possível de texto. Lembre-se de enviar a imagem separada do texto, pois isso facilita o encaminhamento. E queremos que o Respeitável Público traga mais gente, sempre!
2 — Não deixe seu público se perder pela web
A maioria dos espetáculos online ao vivo têm ocorrido no YouTube, ou em plataformas que incorporam um quadro do YouTube nos seus sites e afins. Pelo aplicativo Zoom, é possível programar uma transmissão e já gerar o link específico da transmissão - como nas grandes lives dos cantores sertanejos, da Alcione, Milton Nascimento... Você recebe o link, chega na "sala de espetáculo" e tem um anúncio na tela com um contador regressivo dizendo quanto tempo falta para começar. Veja como aparece na tela:
É o melhor dos mundos. A transmissão simplesmente começa, sem que a pessoa tenha que ficar dando refresh na tela.
Mas se você não consegue fazer isso, tenha consideração com seu público, e forneça o link que leve as pessoas o mais próximo possível da sua "sala de espetáculos". Evite peremptoriamente:
- Convites sem link
- Link para um portal, site, página de Facebook...
- Um áudio dizendo onde vai ser
- Um vídeo seu dizendo "procura a gente em tal lugar"
- Qualquer coisa que não seja clicável
E eu explico: o marketing na internet é alimentado pelo que o Google chama de "micromomentos". Aquele anúncio que você não daria atenção, mas que de repente, procurando alguma outra coisa, aparece pra você e PIMBA! Seu público foi parar em algum lugar tão, tão distante da sua sala de apresentação. A regra de ouro é: quanto menos cliques, melhor.
3 — Fidelize seu público e faça-o se sentir importante
Nem todos os grupos estão cobrando ingressos para as apresentações. E com a saturação do fenômeno das lives, muitos têm visto seu público diminuir com o tempo. O WhatsApp é uma boa ferramenta, mas o velho e bom e-mail ainda tem o seu lugar. Criar uma conta do grupo no Sympla ou Eventbrite, por exemplo, te ajuda a ter uma noção de quantas pessoas têm interesse no seu espetáculo, e te dá o petróleo dos tempos atuais: listas de contato.
Com uma conta gratuita em clientes de e-mail marketing como o MailChimp, por exemplo, é possível criar jornadas de engajamento e/ou disparar e-mails automáticos para todo mundo que já se inscreveu um dia, anunciando seu próximo espetáculo. Além disso, você pode compartilhar conteúdos exclusivos, como fotos, vídeos de making-of, o programa da peça e o que mais você tiver para oferecer.
4- Use a imaginação para monetizar
Como as lives, as campanhas de arrecadação coletiva (crowdfunding) também estão atingindo o ponto de saturação. Mas fã que é fã, gosta de ter uma lembrança do seu artista, grupo ou peça favorita em casa. Aposte na produção de camisetas, canecas e ecobags, e monetize com isso. Diversas gráficas e empresas de brindes estão fazendo também a logística de envio diretamente para o cliente. De quebra, você ainda fortalece o seu próprio marketing.
Essas são algumas dicas, e eu espero que ajude meus queridos e queridas da cultura. À primeira vista, tudo isso pode parecer muito complicado para quem tem maior intimidade com os palcos do que com as máquinas. Se precisar de ajuda, pode me chamar - ou procurar algum/a profissional de comunicação digital para te dar uns toques mais práticos.
E talvez você tenha alguma outra dica para compartilhar com nosso povo da cultura, que está cortando um dobrado para manter as contas em dia nessa pandemia. Não perca tempo, e coloque aqui nos comentários!
Imagens:
Capa: Osdramátikos (DF) estão em temporada online de leituras dramáicas via Zoom
WhatsApp: print de mensagem pessoal da autora
YouTube: reprodução do canal SescSP, show do Péricles Cavalcanti em 14/8/20
Ecobag: reprodução, Mercado Livre