João estava se candidatando a uma vaga na área de tecnologia e viu um pré-requisito estranho: “habilidade de comunicação interpessoal”. O restante da lista ele preenchia tranquilamente, já que tinha grande conhecimento em várias linguagens de programação e desenvolvimento de produtos. Mas como medir sua habilidade de comunicação? Ele pensa: “não preciso ficar falando com ninguém no meu trabalho, não participo de muitas reuniões, as pessoas me enviam mensagens e pronto! Então, o que eu devo dizer ao recrutador?”
Silmara é jornalista e trabalha há alguns anos numa agência de relações públicas. Um de seus clientes disse que a prioridade este ano é traçar uma estratégia eficaz para que a empresa melhore sua comunicação interna. “O que precisa ser melhorado de fato?”, ela pergunta. Mas seu cliente não sabe ao certo. Só diz que percebe que há um grande desalinhamento entre os colaboradores e os objetivos de negócio da empresa. Também vê um crescente clima de tensão no ar. O que resolveria esse problema? O uso de ferramentas de comunicação mais modernas e produtivas? Campanhas de endomarketing? Criação de um programa de embaixadores internos?
Há tempos que venho buscando respostas para essas dúvidas. Tive a oportunidade de testar várias hipóteses durante os 20 anos que trabalhei em agências de comunicação corporativa. Mas tudo foi fazendo mais sentido para mim com a interconexão de diferentes metodologias, como inovação colaborativa, design thinking, comunicação não violenta, linguagem simples e acessibilidade digital. E as respostas começaram a surgir. Chamo de “comunicação acessível no trabalho” a junção de tudo isso que tenho aprendido nesta área e continuo aprendendo.
Várias pesquisas mostram que a comunicação ruim é uma das principais causas da ansiedade e da ineficiência no ambiente corporativo. Isso impacta diretamente no processo de inovação, no clima organizacional, na rotatividade de funcionários e nos resultados financeiros das empresas. Por isso que os recrutadores têm valorizado tanto esse tipo de “soft skill” (competência social, emocional e mental ligada à personalidade de cada um).
Quando temos a consciência da forma como nos comunicamos uns com os outros e das necessidades de cada um, conseguimos extrair o melhor das pessoas, garantir lugar de fala e de escuta, melhorar as relações e ainda despertar o propósito que tanto buscamos no trabalho.
Como esse tema é muito amplo e complexo, minha ideia foi fatiá-lo e tratar uma parte por vez. Trago neste artigo algumas informações que ajudará você a compreender o que está por trás da tal “comunicação eficaz”. Falo também sobre os impactos da ausência dela no nosso dia a dia e dou algumas dicas para melhorar nossa comunicação, especialmente a escrita.
Vamos aos fatos
O impacto negativo nos negócios em decorrência da comunicação ineficiente no ambiente corporativo tem sido motivo de preocupação mundo a fora. Há várias pesquisas sobre o tema e os números são realmente chocantes.
Estresse, carreiras interrompidas, perdas financeiras e de produtividade
Uma pesquisa realizada no começo de 2019 pela Survata, a pedido da Dynamic Signal, revelou situações estarrecedoras, na minha opinião. Ela mostrou que 80% da força de trabalho dos Estados Unidos diz sentir-se estressada por causa da ineficácia da comunicação no ambiente corporativo. Isso provocava em 63% dos funcionários o desejo de sair da empresa, pois achavam que esse tipo de problema estava interferindo em sua capacidade de realizar seu trabalho.
85% dos funcionários ouvidos pela Survata relataram perder semanalmente de uma a duas horas de produtividade pesquisando informações que poderiam ter chegado a eles logo no primeiro email, por exemplo. Isso equivale a US$ 60 em perdas salariais por funcionário americano a cada semana de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Isso pode resultar em trilhões de dólares em perda de produtividade só nos Estados Unidos.
Essa história não é muito diferente em outros países. Um estudo da Microsoft e do YouGov, divulgado também no ano passado, apontou que a maior causa de estresse de mais de um terço das equipes de pequenas e médias empresas britânicas é a falta de uma comunicação eficaz. Detalhe: as PMEs são uma parte crucial da economia do Reino Unido, representando 99,9% da população empresarial e empregando 60% dos funcionários do setor privado naquela região de acordo com a Federação de Pequenas Empresas britânicas.
Há também muitos problemas causados pela falta de conversas mais abertas entre os colaboradores. Uma pesquisa feita em 2018 pela empresa americana RescueTime revelou que 63,5% dos 500 profissionais entrevistados esperam que seus e-mails sejam respondidos dentro de uma hora. No entanto, 75% deles nunca conversaram com seus colegas sobre suas expectativas. E o resultado disso é mais ansiedade e estresse.
Outros estudos vão mais a fundo e revelam danos mais palpáveis e visíveis aos negócios. É o caso da pesquisa feita pela The Economist Intelligence Unit com 403 executivos de empresas americanas com receita anual de US$ 10 milhões até mais de US$ 1 bilhão. A coleta dos dados aconteceu entre novembro de 2017 a janeiro de 2018.
44% dos entrevistados indicaram que a falta de comunicação causou atraso ou falha na conclusão dos projetos. 18% disseram que esse fato levou à perda de alguma venda, 30% das quais estavam avaliadas entre US$ 100.000 e US$ 999.999.
O consultor americano David Grossman publicou em 2011 no portal The Holmes Report uma estimativa de US$ 37 bilhões em perdas anuais devido a mal entendidos gerados por ruídos na comunicação corporativa. Participaram desse estudo que ele mencionou 400 empresas nos EUA e Reino Unido, com 100 mil funcionários no total. Não creio que esse cenário tenha mudado muito de nove anos para cá.
Mas onde está o real problema?
Depois de muito refletir, observar, testar hipóteses, pesquisar e conversar com as pessoas, ficou claro para mim que a base para qualquer comunicação ser eficiente está calçada em 4 pilares que explicarei mais adiante.
Até vejo algumas iniciativas isoladas de treinamento aqui e ali sobre alguns desses pontos. No entanto, falta a conexão direta disso com a forma como nos comunicamos independentemente do canal ou ferramenta que utilizamos, se é presencial ou a distância, se é num relatório técnico, num email, no whatsapp ou numa ligação telefônica.
1º pilar: empatia
Você conhece de fato as pessoas com quem trabalha?
Quando digo “conhecer de fato” estou indo muito além de saber o que time torce, estilo de roupa, série preferida etc. A ideia aqui é saber como a pessoa prefere trabalhar, como ela é mais produtiva, o que a motiva e a deixa à vontade para ser ela mesma, o que a bloqueia e estressa.
Para saber tudo isso é preciso ouvi-la sem preconceitos e julgamentos, conhecer seu histórico, tentar ao máximo se colocar no lugar dessa pessoa e enxergar as coisas do ponto de vista dela. Você provavelmente vai perceber que a forma como se comunicam não é a melhor ou a mais adequada nem para você nem para ela.
Um dos melhores assistentes que tive em agência de comunicação corporativa foi um rapaz que havia acabado de se formar em publicidade e que trabalhava há vários anos ali como motoboy. Ele estava com muita vontade de iniciar uma nova carreira, estava disposto a tudo. Mas sua experiência profissional não o habilitaria para a vaga.
Mas ao ouvi-lo, acabei enxergando o que eu havia passado anos antes e me lembrei das angústias que eu sentia. Precisava apenas de uma oportunidade. Traçamos juntos um plano de ação para seu desenvolvimento.
Você deve estar se perguntando “o que isso tem a ver com problemas gerados por comunicação ineficaz?”. Tem tudo a ver! Se eu simplesmente tivesse “jogado” aquele rapaz no time e não estabelecesse com ele uma comunicação empática e não violenta, o resultado disso certamente seria frustração de todos os lados e falta de produtividade.
2º pilar: inclusão e integração de pessoas diversas
Nossos preconceitos, medos e talvez até preguiça muitas vezes nos impedem de incluir pessoas diversas em nossos times, seja como integrantes fixos ou convidados de outros departamentos. E depois ficamos reclamando que nunca temos “ideias fora da caixa”, que sempre sugerimos as mesmas soluções etc.
Há muitos problemas decorrentes da falta de diversidade no ambiente corporativo. Especificamente do ponto de vista da comunicação, acabamos nos fechando ainda mais no nosso mundinho e tendemos a achar que todos estão nos entendendo, já que somos de certa forma da “mesma tribo”. Eu tive o privilégio de experimentar e observar bem essas duas situações no trabalho, com e sem diversidade. Por isso, me sinto muito segura ao afirmar isso.
A diversidade nos provoca a disseminar a informação de jeitos específicos, respeitando a história de cada um. Acabamos tendo mais consciência sobre como nos comunicamos, o que falamos e as ferramentas que utilizamos. Isso por si só já nos obriga a repensar muita coisa em nós mesmos.
Eu mesma revi todos meus conceitos de comunicação e reaprendi a me comunicar com os outros quando passei a conviver mais com pessoas cegas e surdas, por exemplo. O simples fato de eu ter que descrever as imagens, de falar pausadamente e escolher palavras simples, já foi o suficiente para que eu percebesse o quanto tendemos a dificultar as coisas com informações desnecessárias e complexas.
3º pilar: clareza nos pedidos
A comunicação não violenta bate muito nesta tecla, ou seja, na necessidade de sermos claros nos pedidos e no retorno que desejamos ter da outra pessoa. O difícil é termos certeza se estamos sendo claros e se o outro lado está nos compreendendo de fato.
E aí, geralmente acontece uma certa intimidação, às vezes até inconsciente, quando perguntamos ao outro “fui clara?” ou “você me entendeu?”. Eu mesma já me vi em muitas situações de ter que responder essas perguntas e via meu interlocutor como um inquisidor.
Isso fica ainda pior quando há relações históricas de supremacia entre as duas partes, como entre homens e mulheres, brancos e negros etc. Mesmo se eu não tivesse entendido bem a mensagem, acabava respondendo um “sim” para acabar logo com aquela conversa. Em seguida, lá estava eu me desdobrando para tentar entender o caso de alguma outra forma, comprometendo a minha produtividade e os negócios da empresa.
Mas eu acredito que essa barreira não existirá ou será bem frágil se houver empatia, se você for reconhecido ou reconhecida como alguém que inclui e aceita a diversidade. Você encontrará uma forma bacana de saber se a outra pessoa entendeu de fato o que quis dizer e lhe agradecerá muito por isso.
4º pilar: simplicidade na comunicação
E para sermos claros, é imprescindível que sejamos simples na maneira como nos comunicamos. Clareza não combina em nada com palavras ou conceitos complexos, nem com sequências ilógicas ou muito menos com textos visualmente confusos.
Uma comunicação simples não significa necessariamente usar poucas palavras, mas usá-las de forma bem organizada. Até os mais letrados gostam disso! Leitura não é algo natural para o ser humano. Por isso, nosso cérebro vai nos agradecer e nos ajudar muito mais no que realmente importa se “facilitarmos a vida dele” no dia a dia. Ainda mais com os altos níveis de dispersão que temos atualmente com as redes sociais, whatsapp, home office e por aí vai.
Augusto Buchweitz, doutor e pesquisador do Instituto do Cérebro e professor da Escola de Ciências da Saúde da PUC do Rio Grande do Sul, diz o seguinte: "o nosso cérebro tem limitações. Se gastamos toda a nossa energia no início, tentando ler as palavras, não sobra nenhuma energia para entender a história – que é algo difícil. Para entender a história, é preciso entender muita coisa."
Linguagem simples
Vou detalhar um pouco mais esse quarto tópico que se refere ao problema da falta de simplicidade na forma como nos comunicamos, especialmente na escrita. Mas antes eu gostaria de propor a você que pare um pouquinho e reflita sobre como tem organizado as informações nos e-mails e mensagens de whatsapp que envia diariamente aos seus colegas de trabalho, fornecedores, clientes, parceiros etc.
Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional de 2018 (INAF), apenas 12% dos brasileiros entre 15 e 64 anos têm facilidade para ler e compreender. Entre os que têm nível superior, 66% têm algum grau de dificuldade para ler textos longos, abstratos e complexos.
Outro dado chocante é que apenas 0,2% dos alunos do ensino médio no Brasil atingiu o nível máximo de proficiência em leitura. É o que mostra o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes de 2018 (PISA).
Em diferentes graus, esse tipo de problema é muito comum em diversos países. Tanto é que existe uma associação internacional que reúne apoiadores e profissionais de linguagem simples de todo o mundo. Trata-se da Plain Language Association International (PLAIN), que é uma organização sem fins lucrativos constituída no Canadá e totalmente gerida por voluntários. A rede inclui membros de mais de 30 países que trabalham com comunicação clara em pelo menos 15 idiomas.
Seu principal objetivo é aumentar a conscientização pública da linguagem simples como um meio de tornar a comunicação do governo, das empresas, dos profissionais autônomos (como médicos, advogados, educadores etc) e das organizações comunitárias acessíveis para todos.
As diretrizes recomendadas pela PLAIN são realmente úteis e perfeitamente aplicáveis no mundo corporativo. Elas contribuem diretamente na redução do estresse desnecessário decorrente de uma comunicação sem clareza e na melhora dos números das pesquisas que mencionei logo no início desse artigo.
Essas diretrizes também estão presentes de alguma forma na metodologia da comunicação não violenta, de Marshall Rosenberg, e na Web Content Accessibility Guidelines (WCAG), que são as principais recomendações de acessibilidade digital do mundo.
O que é Linguagem Simples?
Segundo a PLAIN, uma comunicação está em linguagem simples se suas palavras, estrutura e design forem tão claros que o público-alvo possa encontrar facilmente o que precisa, entender o que encontra e usar essas informações.
As principais diretrizes da PLAIN para uma escrita em linguagem simples são as seguintes:
Público e finalidade:
- Conheça o perfil de quem você vai interagir e tenha clareza sobre o que espera de resposta dessa pessoa a partir da sua comunicação.
- O que essa pessoa já sabe e o que ela precisa saber sobre o tema que você pretende abordar? Como ela deve usar a informação? Que atitude espera que ela tenha após ler sua mensagem?
Estrutura:
- Escolha a melhor estrutura para cada tipo de comunicação.
- Precisa usar uma ordem cronológica? É necessário fazer um resumo inicial e depois seguir em tópicos? Uma planilha deixaria esse conteúdo mais claro à outra pessoa?
Design:
- A aparência visual de uma comunicação é tão importante quanto a estrutura e a linguagem.
- Deixe espaços em branco, use mais títulos para dividir os assuntos, bullets, escolha fontes que sejam fáceis de ler (sem serifa, preferencialmente), inclua recursos visuais para auxiliar o entendimento, entre outros.
Redação:
- Use pronomes pessoais, tom informal, evite jargões, use palavras simples e conhecidas, faça frases curtas e na voz ativa.
Avaliação:
- Antes de fazer comunicações mais amplas, que devem impactar uma quantidade grande de gente, é recomendado fazer pesquisas prévias com algumas pessoas que façam parte desse universo. Isso pode render um trabalhinho extra no começo, mas certamente vai poupar muito retrabalho devido a possíveis mal-entendidos.
- Converse também com seus colegas sobre a forma como você se comunica com eles e saiba se tem sido eficiente.
Eu gostaria muito de saber sua opinião sobre esses vários tópicos que abordei neste longo artigo. Tenho estudado muito sobre isso e quero trazer mais conteúdos relevantes e úteis para facilitar a execução do nosso trabalho e, especialmente, colaborar para uma maior harmonia entre as pessoas.
Dessa forma, acredito que os profissionais conseguirão se concentrar mais no que realmente importa e executar seu trabalho com mais qualidade e satisfação pessoal.
E aí, você mudaria alguma coisa em seus e-mails e mensagens whatsapp depois de ler tudo isso?