Adoro acompanhar o surgimento e crescimento de movimentos sociais com o objetivo de trazer luz para assuntos delicados e necessários para a evolução de nossa sociedade. Precisamos debatê-los com muita seriedade e empatia para evoluirmos, especialmente por tratarem de questões que envolvem pessoas, valores, preconceitos, sexismo, racismo, capacitismo, homofobia, entre outras.
O título desse artigo traz três termos que têm total sinergia entre si, mas tenho visto que eles ainda estão sendo tratados de forma separada. Assim, a resposta que eu daria para a pergunta que eu mesma fiz é “a linguagem deve ser inclusiva, neutra e acessível”. Ou seja, não escolheria uma ou outra, mas os três tipos de linguagem juntas e com tudo o que representam. Se a intenção é incluir, então, neutralidade e acessibilidade têm que andar juntas.
O que é linguagem inclusiva?
A linguagem inclusiva é aquela que acolhe e respeita a diversidade, que promove equidade de gênero e habilidades, que proporciona lugar de fala para as pessoas, que estimula o diálogo saudável e não violento. Quando optamos por usar linguagem inclusiva estamos constantemente com nosso “botão da empatia ligado”. Isso quer dizer que nossa atenção está voltada ao modo como usamos nossas palavras e nos expressamos para que ninguém sinta desconforto, mas sim acolhimento.
O que é linguagem neutra?
Linguagem neutra é aquela que propõe uma modificação estrutural na língua portuguesa e o uso de outras vogais, consoantes ou símbolos que não reforcem o gênero masculino nas palavras como significado de grupo. Dessa forma, mulheres e pessoas não binárias, ou seja, aquelas que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino, se sentiriam mais acolhidas e incluídas na sociedade.
Essa proposta ainda está sendo muito discutida porque a solução não é óbvia e simples. Há várias divergências e não há consenso entre linguistas, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e sociedade em geral.
O professor titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, Sírio Possenti, explica que esse é um tema que deve ser sim levado muito a sério mesmo com toda a complexidade que ele carrega. Há linguistas que defendem que a língua não é sexista, mas o que é sexista é o discurso. Possenti cita um exemplo bem interessante para ilustrar essa questão.
“Lugar de mulher é na cozinha.”
Note que não há nenhum problema morfológico nesta frase e nem palavra para neutralizarmos gênero. No entanto, é uma afirmação extremamente discriminatória. Isso nos leva a refletir que o mais importante é repensarmos a forma como nos expressamos. O segundo passo é nos reeducarmos retirando do nosso vocabulário palavras e expressões que reforcem nossos preconceitos estruturais.
O que é linguagem acessível?
Já a linguagem acessível é aquela possível de ser compreendida por qualquer pessoa, independentemente de seu perfil, formação ou habilidades. Estamos falando aqui de pessoas com deficiência, idosas, de baixo letramento, estrangeiras e crianças que estão aprendendo nossa língua, disléxicas e assim por diante.
Esse tipo de linguagem tem como premissa o uso de palavras simples, conhecidas e frases na ordem direta. Também recomenda que não usemos figuras de linguagem, jargões e estrangeirismos sem as devidas explicações sobre seus significados.
Uma palavra modificada com outras vogais, consoantes ou símbolos com o intuito de neutralizá-la pode ser um transtorno e complicar a vida de muita gente que terá dificuldade de compreender aquela informação.
O que é linguagem inclusiva, neutra e acessível?
Como meu propósito é incentivar e facilitar a circulação do conhecimento entre as pessoas, estou sempre atenta às barreiras que impedem ou comprometem a boa comunicação entre elas. Essas barreiras geram ruídos que prejudicam relações, causam estresse, afetam a produtividade e diminuem nosso potencial criativo. E assim que as encontro estudo maneiras de eliminá-las.
Eu percebi que se tratarmos os três conceitos-chave deste artigo de forma independente, barreiras vão surgir, ou melhor, já estão surgindo aos montes. Por isso, minha recomendação é misturá-los e buscarmos a melhor forma de proporcionarmos uma comunicação inclusiva, confortável e compreensível para todo mundo.
Mas para isso acontecer, é fundamental que estejamos sempre muito conscientes sobre o tipo de comunicação que desejamos estabelecer com as pessoas, se é de fato algo inclusivo ou exclusivo e unilateral. Empatia deve ser a palavra que nos orientará nesta jornada.
Esse artigo está escrito em linguagem “inclusiva + neutra + acessível”. Note que só usei recursos que existem na língua portuguesa e nem por isso esse texto tem caráter discriminatório. Mas isso exigiu de mim muita atenção e reescritas, o que é parte desse processo recente de reeducação que estamos vivenciando.
Pensando na essência da linguagem, que é conectar pessoas, e com base em minha longa trajetória na área de comunicação e acessibilidade digital, listei algumas dicas a seguir que vão ajudar você a manter essa consciência ativa e a se comunicar de forma mais inclusiva e agregadora.
Não usar “x”, “@”, “e” ou “u” para neutralizar gênero de palavras
Como disse há pouco, essas novas palavras não são acessíveis e podem prejudicar bastante a compreensão de muita gente. A substituição de vogais por “x” ou “@” tornam a palavra impronunciável por todos nós e incompreensível por pessoas cegas e com baixa visão que utilizam software de leitura de tela para navegarem por conteúdos digitais.
Essas palavras modificadas também serão prejudiciais às pessoas surdas que recorrem aos tradutores digitais de Libras (como Hand Talk e VLibras) para compreenderem determinado conteúdo. Esse tipo de tradutor se baseia em inteligência artificial e em sinais oficiais da língua brasileira de sinais. Ou seja, essa proposta de alteração linguística afetaria também a estrutura do nosso segundo idioma oficial, que é a Libras.
E como eu comentei anteriormente, prejudicaria também a compreensão de pessoas com baixo letramento, aquelas que estão aprendendo a nossa língua, quem tem dislexia, autismo etc.
Reduza ou elimine marcadores de gênero desnecessários
Aí você deve estar se perguntando: “se eu não devo modificar as palavras, como é que vou neutralizá-las, então?”
Comece observando a estrutura de suas frases e veja se há palavras e termos escritos no masculino e que significam grupo de “homens e mulheres”. Se encontrar algum, veja se é possível substituí-lo por outra palavra ou eliminá-lo de forma que não marque o gênero.
Veja alguns exemplos:
❌ “Os homens precisam respeitar mais a natureza.”
✅ “A humanidade precisa respeitar mais a natureza.”
❌ “Os cientistas têm trabalhado duro no desenvolvimento das vacinas contra a covid-19.”
✅ “Cientistas têm trabalhado duro no desenvolvimento das vacinas contra a covid-19.”
❌ “Os professores estão tendo que se reinventar a todo momento em época de pandemia.”
✅ “O corpo docente está tendo que se reinventar a todo momento em época de pandemia.”
❌ “Quero que eles resolvam esse problema.”
✅ “Quero que resolvam esse problema.”
❌ “A maioria dos alunos foi bem na prova.”
✅ “A maioria dos alunos e das alunas foi bem na prova.” >> Aqui, eu até prefiro inverter a ordem para nos forçar um pouco mais a alterarmos nosso jeito de pensar. Ficaria assim: “A maioria das alunas e dos alunos foi bem na prova.”
Prefira palavras simples e conhecidas
Essa é uma regra básica para quem busca produzir conteúdo acessível a todas as pessoas. Na verdade, até quem tem um nível maior de letramento prefere textos escritos de maneira simples, pois exigem menos esforço do cérebro para a decodificação da mensagem.
Com isso, a gente ganha agilidade em uma leitura e até reduz as chances de fadiga mental. Não é demais? É melhor ainda se pensarmos que este tipo de escrita simples também beneficia pessoas com dislexia, autismo, entre outras características e especificidades cognitivas.
Meu sonho é ver um contrato ou projeto de lei escrito dessa maneira! Já imaginou como isso poderia nos estimular ainda mais a cumprirmos nosso papel de cidadãs e cidadãos?
Escreva frases curtas e na ordem direta
Este é outro princípio básico da comunicação acessível e da linguagem simples. De novo, nosso cérebro entende muito mais rapidamente a mensagem quando ela é escrita com verbos na voz ativa.
O mesmo acontece quando colocamos uma informação por frase. Leia o exemplo a seguir e observe por um tempinho qual das opções você entendeu mais rapidamente.
Descrição da imagem: Arte com fundo preto e duas frases escritas em branco. A primeira, com um emoji verde sorridente, é "o nosso cérebro retém a informação que vem primeiro". A segunda frase, com emoji vermelho trise, é "a informação primeiro é a que o nosso cérebro retém".
Evite o negativismo
Por último, mas não menos importante, recomendo que todos nós passemos a adotar uma comunicação mais positiva e sem tantos “não”. Recentemente, observei uma troca de e-mails entre uma cliente e seu parceiro de uma agência de marketing digital.
Ele havia enviado a ela uma peça produzida para redes sociais e esperava retorno sobre isso. Num email com cerca de 13 frases havia nove “não”, ou seja, praticamente um por frase. Não havia grosseria ali, mas ela só apontava os erros do ponto de vista dela.
Coloque-se agora no lugar do funcionário da agência. Com que ânimo você acha que ele ficou em refazer a peça depois desse retorno? Você acha que ele se sentia capaz de acertar o gosto de sua cliente da próxima vez?
Comunicar-se de forma positiva aproxima pessoas, mantém um clima bom entre elas e reduz a possibilidade de geração de ruídos prejudiciais a você e aos negócios.
E o que isso tem a ver com linguagem inclusiva, neutra e acessível? Tudo!
Se queremos acolher as pessoas e fazer com que elas se sintam à vontade para serem o que são de verdade, é preciso manter acima de tudo o respeito e harmonia na comunicação.
Descrição da imagem utilizada para ilustrar esse artigo: Arte com fundo azul escuro e ao centro o desenho de duas cabeças humanas de perfil, sendo a da frente na cor laranja e a de trás azul clara. Elas olham para lados opostos e de suas bocas saem balões coloridos.